Definitivamente

Por Márcio Barros, em CONTOS

Definitivamente

02 de Outubro de 2018 às 03:33

Sentado num banco de madeira, observava o fluxo dos automóveis que se arrastava sobre a avenida Frei Serafim, ao entardecer. O céu alaranjado parecia verter em calor tudo ao redor. Sentiu as têmporas latejarem e o peito comprimir. Levantou-se e caminhou em direção à igreja São Benedito. 

Uma fumaça espessa caía sobre a noite que chegava. Viu a carcaça de um gato pregada no asfalto, já incorporada a ele. Os carros e ônibus enfileiravam-se junto dos sinais. Pessoas, sem rosto, se entupiam nas paradas, caminhavam pela alameda carregando bolsas, pacotes, mochilas, fervilhando como vermes... No fundo eram autômatos como ele. No dia seguinte estariam ali novamente, voltando do trabalho para comer, cagar, trepar e dormir na mesma agitação mesquinha e inútil de sempre.

As luzes dos automóveis e o efeito da medicação embotavam-lhe a vista. Uma tez opaca corroía a superfície de todas as coisas. Atravessou a rua por entre os carros parados. O portão espelhado se abriu automaticamente à medida que se aproximava do Hall do Hotel. Cumprimentou a recepcionista sorridente. Entrou no elevador panorâmico que o esperava, aberto. Havia chegado a hora...  

Enquanto subia, olhava pelo vidro. O escuro do fumê tornava a noite mais opressiva. A avenida ia se mostrando por completo em toda a sua desolação e sordidez. Uma grande artéria pulsando miséria e caos. Nada daquilo lhe pertencia mais, se é que já pertencera algum dia. E enquanto desabotoava o coldre e desembainhava a pistola, uma paz sufocante tomou conta de si. Sentia, pela primeira na vida, que daria cabo de algo. Definitivamente.

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