Encontre o seu livro dos peixes!

Por Rômulo Mourão Cavalcante, em LIVROS

Encontre o seu livro dos peixes!

11 de Abril de 2023 às 00:31

Desde que me entendo por gente ouço meus pais falar cada doido com sua mania, após qualquer manifestação, digamos, estranha. Precisei chegar aos 30 e poucos anos para reunir uma lista de “neuras” e entender que o sujeito dessa frase na verdade era eu.

Enfim, não sei bem precisar quando, mas desde sempre conservo o hábito da leitura. Vou além: sempre gostei dos livros. Seja pelo cheiro, pela cor das páginas etc, ler sempre foi uma experiência (desculpe livro digital, mas você nunca será).

De um tempo pra cá, depois de fazer intermináveis listas de desejos na Amazon (sim, essas listas que nunca acabam e que só aumentam), constatei que havia iniciado um novo hobby, qual seja, listar todos os livros de até dez reais e procurar por tesouros escondidos. Isso me tomava tempo, mas era prazeroso vasculhar por pornografia barata, boy bands esquecidas, animes e guias de viagens absolutamente desatualizados, e confesso que nunca achei grande coisa. Um ou outro livro de sete reais que valeria no máximo uns quatro, pra ser generoso.

Ocorre que, em um dia como outro qualquer, recheado de tempo livre, eis que encontro um livro sobre peixes (como?! peixes?!). O livro dos peixes de William Gould, para ser mais exato. Fui procurar os comentários e lá estavam inúmeros elogios de pessoas que, assim como eu, têm a mesma mania. Além de me sentir um pouco mais confortável por saber que não se tratava de um hobby isolado, via que as pessoas faziam muitos elogios à aparência do livro, com suas gravuras, adesivos e descobri até uma tal de jacket (onde as pessoas aprendem isso?!). Uma ou duas pessoas falavam sobre o conteúdo daquele livro, mas nada demais. Um disse que o autor escrevia muitos palavrões e outro mencionou que estava apenas começando, mas que estava gostando da leitura. Resolvi ler a última capa.

O resumo feito pela editora dizia se tratar de um falsário condenado a pintar peixes em uma colônia penal na Tasmânia, revelando um panorama devastador do colonialismo inglês e do racionalismo científico. Qual o meu interesse nesses assuntos? Absolutamente nenhum. Completamente fora do meu foco, zero, impossível eu perder meu tempo com algo do tipo...mas por oito reais...foi mais forte que eu, confesso.

Calma, não vou dar spoiler sobre a obra, apenas apresentar a minha modesta versão do que encontrei (aliás, de onde saiu spoiler, alguém sabe?). Sim, o livro é realmente lindo, deve ter a tal da jacket, têm adesivos, cada capítulo é impresso com uma cor diferente, dá um cenário da brutalidade do colonialismo inglês, retrata bem o racionalismo científico, mas é muito mais do que isso! É soberbo!

Em cerca de 400 páginas o autor é poético, forte, apresenta uma narrativa com ritmo cadenciado e prende a sua atenção a cada capítulo. O nosso anti-herói, o falsário Billy Gould é genial. Um verdadeiro sobrevivente que vai muito além dos peixes. Um degredado que vivia um dia por vez, cuja inteligência e sagacidade faziam-no enxergar uma boa oportunidade.

Richard Flanagan, alicerçado no que se chama realismo fantástico, conseguiu de uma forma ímpar desnudar a realidade, expondo o pior e o melhor do ser humano, apresentando obra divinamente bem escrita (traduzida, claro) e que exige nossa melhor reflexão acerca da natureza humana, dignidade, sabedoria (e pseudo-sabedoria) e até mesmo sobre a loucura provocada pela ilusão do poder sobre outras pessoas.

 Continuo sem saber nada sobre a Tasmânia, mas muito feliz pelo resultado promissor do meu novo hobby, afinal, como diziam meus pais, cada doido com sua mania.

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