EXTRACAMPO, conto: AURORA, ACÁCIAS E PÔR DO SOL

Por Wilson Araújo, em CONTOS

EXTRACAMPO, conto: AURORA, ACÁCIAS E PÔR DO SOL

03 de Setembro de 2015 às 17:54

Para melhor apreciação do texto, siga as sugestões:
1. comece a leitura do texto ouvindo “Chagrin de la Mer - Tritones” (CLICANDO AQUI)
2. no 5° parágrafo mude para “Need You now – An Pierlé” (CLICANDO AQUI)
3. quando ler o nome "Johnny Cash", mude para “You are my Sunshine – Johnny Cash” (CLICANDO AQUI)

Ele veio por trás, com a mão esquerda apertou um seio, com a direita escorregou pela barriga, passando as unhas sujas e mal cortadas, descendo desavergonhosamente para dentro do short, buscando o que, em sua mente, era seu por excelência.
 
O short minúsculo e apertado derramava banhas pelos cantos, alguns excessos e anos a mais, barrava o caminho, mas nada que mãos grosseiras, ásperas e acostumadas a tomar as coisas não resolvessem. O hálito de cerveja dele se misturou ao de cigarro dela, quando virou a cabeça para trás, entregue.
 
A camisa curta, que mostrava a barriga (já um tanto saliente e flácida), com um emblema do "Devo" não foi párea para aquela mão calosa e foi arrancada com o mesmo ímpeto que um faminto esfola um coelho antes do jantar. Ele mexia em seu sexo, abrindo os lábios com dois dedos, enfiando um, tentando enfiar outro, mas aquele deserto permanecia seco. Não era que ela não quisesse, mas já fora por demais (a vida inteira) apenas um depósito de rolas. Desde o tio bêbado na infância (mamãe não pode saber, é um segredinho nosso), até os puteiros sujos e infectos e banheiros de beira de estrada sendo enrabada por caminhoneiros desesperados em troca de migalhas.
 
Não, não era que não quisesse, só não queria assim. Mas como amansar aquela fera, aquela besta que enfiava seus dedos a seco, forçando a entrada a todo custo? Aquele ogro peludo, ébrio, que apertava seus seios com tamanha força, como se fossem alicates enferrujados, que lambia seu ouvido, seu pescoço, derramando saliva em seu ombro.
 
Hoje ela queria mais. Ela queria vida, prazer, sentir-se mulher. E quando "Chagrin de la mer" acabou e An Pierlé começou a cantar "Need you Now" no Diver Box lá fora, ela virou-se de supetão e jogou-o na cama vagabunda. Ela gostou daqueles olhos assustados, enfim tomava uma atitude.
 
Daí pra frente, ela sentiu-se no comando e traçou, naquela fração de segundo entre um pensamento e outro, o que faria. Realizaria mil planos antes imaginados. Aquele era seu homem e lhe daria todos os prazeres do mundo. Levar-lhe-ia a céus encantados, voariam juntos, abraçados, por entre bosques com cheiro de acácias. O desejo latente, as cachoeiras de águas cristalinas, ela via, escorrendo entre suas pernas, enquanto ele a abraçava e dizia pequenas obscenidades no ouvido.
 
Ela cavalgaria aquele pau duro e comprido, virando a cabeça pra trás e curvando o dorso pra frente. Ela sentiria o corpo tremer, os dedos dos pés formigarem, os músculos ficarem tesos. Ele tocaria seus seios com carinho, lamberia os mamilos com graça e majestade e então ela explodiria em gozo, o primeiro ela achava, ou que lembrava em muito tempo.
 
E quando ele a pusesse de quatro ela não se sentiria uma cadela como em tantas outras vezes, sentiria completa, porque agora buscavam juntos encantos a muito esquecidos. E quando ele apertasse sua bunda ela saberia que não era pra humilhá-la ou mostrar quem manda, em demonstrações primitivas de macho-alpha, saberia que tinha dado a ele o mesmo que recebera, pois sentiria o pau endurecer mais ainda e latejar até derramar sobre ela o néctar do amor profundo.
 
Então ele já não era um ogro. Era um príncipe de um reino muito distante que veio salvá-la das bruxas e dos dragões. Ela, deitada sobre seu peito vigoroso adormeceria enquanto ele fazia cafuné em seus cabelos com cheiro de seda, peculiar. E iriam embora, de mão dadas rumo ao pôr-do-sol, enquanto em algum lugar distante Johnny Cash cantava "You are my Sunshine".
 
Foi isso que ela viu naqueles olhos assustados quando o jogou na cama. Mas nem de longe previu que de assustados transformar-se-iam em ódio, um ódio profundo. O ódio de uma besta enjaulada, torturada, com seu orgulho ferido. O ódio de um demônio capaz de secar todas aquelas cachoeiras de água cristalina com um único sopro.
 
Um sopro bêbado, aterrorizante, com fedor de cerveja e cárie:
 
-- VADIA!
 
O resto foi uma sinopse da sua vida. Ele cravou os dedos nos cabelos embaraçados dela, deu-lhe tapas, socos, chutes. Cuspiu-lhe no rosto. Falou obscenidades que já não soavam como carícia. Mandou que não gritasse. Falou que era o que ela gostava. Que era o que merecia.
 
Estuprou lhe duas vezes.
 
No fim, amassou uma nota de dez e jogou-lhe na cara. Ela deitada, nua. Roxa. Decidindo se o corpo ou a alma (se é que restava algum pedaço) que estava mais machucado. Ou se ainda se importava com isso.
 
Vinte minutos depois a cafetina entra no quarto. Levanta vagabunda, tá pensando que tenho o dia todo, tem cliente esperando.
 
Ela foi, acendeu um cigarro. E agora tocava Johnny Cash no som.

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