EXTRACAMPO: NOVEL(O)(A)S

Por Wilson Araújo, em CONTOS

EXTRACAMPO: NOVEL(O)(A)S

20 de Abril de 2016 às 20:10

Talisson tinha vida de rei. Motos caríssimas, lanchas, carros de sonhos. Desfilava nas ruas mais pra mostrar os dotes e tirar uma onda que propriamente ir pra algum lugar, não precisava ir a lugar algum, tinha tudo à mão, mas gostava de ver a cara do povo trabalhador olhando pra ele com inveja. Numa terça feira de manhã, divertia-se.
Parou no sinal, ficou vendo os Unos e Celtas, sorriso no canto da boca. Engarrafamento. Buzinaram atrás, de novo e novo.
--- Sai do meio da rua, féla da puta.
O coração de Talisson gelou. A moto deu pau no motor. Puta que pariu vou pegar esporro de novo. Deixou a Honda Pop estacionada no meio fio e seguiu os 5 km que faltavam até o trabalho a pé. Dessa vez tinha certeza que descontariam do salário dele.
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Clênis gostava da vista da cobertura, achava bonito, o vento era bom e olhava tudo do alto, vivia um filme, vivia o sonho. Era ali mesmo, só precisava juntar o resto da grana, afinal a cobertura era cara e a localização era a melhor, o top da cidade, o melhor entre os melhores. Depois chamaria a mulher e as duas filhas, sentaria no sofá e olharia as crianças banhando na piscina. Piscina num apartamento, onde já se viu?!
A mulher não precisava, mas faria uns tira-gostos enquanto ele bebia whisky doze anos, vendo o jogo do Vascão.
--- Clênis!!
Era ela, mas esperasse um pouco que o lateral avançava...
--- Clênis!!!
Espera que o cruzamento foi bom, cabeçada e...
--- CLÊNIS, PORRA!!!
--- Que é, caralho?!?!
--- Passa logo a porra desse reboco que o cimento tá secando.
--- Ah-tá, pode deixar – com voz resignada.
Dia desses o Clênis ainda despenca dessa janela, comentaram os outros.
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Benecélia adorava seus pares de sapato, suas sandálias, chilenos, rasteiras, sapatilhas, enfim, tudo que pudesse calçar e desfilar por aí. Amava comprar pares novos, ainda que nem tivesse usado todos os pares que tinha. A sensação de por o pé no couro virgem era deslumbrante, abrir uma caixa e sentir o cheiro de novo era o melhor tratamento antirruga e estresse que existia.
Era impagável aquela situação em que se encontrava agora. Deitada no sofá, com os pés pra cima apreciando a vista da mais nova aquisição. Nem pisaria no chão por enquanto, talvez nem o usasse mais, era uma obra de arte a ser apreciada.
A porta abriu de supetão.
--- Que é isso Célia?
--- Nada não, tava só coisando aqui!
Benecélia levantou em um pulo, meteu o arame pelo cabresto da chinela e foi limpar os banheiros.
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Tibério trabalhava na maior empresa do estado e isso não era pra qualquer um. Entrar até que era fácil, tinha emprego aos borbotões, mas permanecer e crescer era outra coisa. Exigia competência, dedicação, muito trabalho e um pouco de sorte. Exigia veia pra coisa e pulso firme. Exigia uma certa frieza e autoridade, daquelas que você já nasce com ela.
Tibério tinha isso tudo, Tibério conquistara o resto. Comandava dezenas de empregados, todos pediam sua opinião, sua benção ou sua autorização pra fazer algo. Ele gostava daquilo, sabia era indispensável, temido e amado.
--- Seu Tibério, onde eu jogo isso?
Ergueu o rosto:
--- Final do corredor, à direita.
Apoiado no cabo do esfregão, ficou olhando o jovem que se ia.
Tibério era mesmo indispensável.
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Raquel acordou cedo. Sentia-se ótima, linda, perfumada. Os cabelos uma seda pura, arrumados e desembaraçados. A maquiagem não borrara e estava bem confortável para beijar seu príncipe que dormia ao lado, esbelto e sensual, cada músculo no tamanho e lugar certo. Ouvia o canto dos pássaros e a luz entrava fresca pelas frestas da cortina, anunciando, lá fora, que a vida lhe esperava com mil maravilhas. Sabia do café da manhã farto que lhe aguardava. Sucos diversos, frutas a não mais ver, pães, salames, presuntos, queijos importados.
Olhou o relógio no mesmo instante que o despertador berrou.
Acordou ainda com sono, cara inchada. Lá fora: zoada de buzina e criança chorando. Os cabelos uma palha, o bafo de cemitério, ainda tinha que passar o café e esquentar o pão de ontem. Ao seu lado, Clóvis dormia, boca aberta, de cueca, as banhas sobrando, ronco... peidava fartamente.
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