EXTRACAMPO: Orson Welles e Morgellons – Da histeria à alucinação coletiva

Por Raul Lopes, em OPINIÃO

EXTRACAMPO: Orson Welles e Morgellons – Da histeria à alucinação coletiva

15 de Abril de 2015 às 16:03

Na noite do dia 30 de outubro de 1938 a rede de rádio CBS interrompeu sua programação musical para noticiar um estranho acontecimento, os extraterrestres invadiram a terra.

A notícia causou pânico em várias cidades norte-americanas. Em Nova York, os veteranos se despedem das famílias e partem para guerra. Em Newmark, milhares de pessoas deixam suas casas e correm à procura de abrigos naturais. Em Pittsburgh há suicídios. Em Minneapolis uma mulher surta e corre pelas ruas e pasmem, em plena década de 30 tudo isso aconteceu em menos de 20 minutos após o anúncio.

Diante de todo esse alvoroço, apenas uma pessoa estava se divertindo e não eram os extraterrestres, mas o cineasta Orson Welles que encenava pela CBS a peça radiofônica “A guerra dos mundos”, de autoria de Howard Koch e baseada na obra de Wells (1866-1946), o episódio ficou conhecido também como "rádio do pânico".

Aqui no Brasil houve um episódio semelhante ao americano. O caso ocorreu no Estado do Maranhão em 1971 quando foi anunciando, no aniversário da Radio Difusora, que marcianos estariam invadindo o Estado. Claro que não passava de uma brincadeira, mas a histeria coletiva se repetiu como nos Estado Unidos, o comércio fechou e muitos foram pra casa pra morrer ao lado dos familiares. "Não tínhamos o que fazer, era uma brincadeira. Mas não sabíamos o alcance e o poder do veículo que tínhamos nas mãos", afirma Manoel José Pereira dos Santos, o Pereirinha, 61 anos, responsável pelos efeitos sonoros do programa.

Se Pereirinha não imaginava o alcance da radio difusora no Estado do Maranhão há quase meio século atrás, o que diria do poder da internet nos dias de hoje, da instantânea propagação das notícias pelas redes sociais?

Atualmente, um pouco diferente dos EUA e do Maranhão, um terceiro caso de “contágio coletivo” se apresenta, trata-se da Síndrome de Morgellons.

Morgellons foi o nome dado pela americana Mary Leitão à doença de pele que acometia seu filho, e como essa doença não se enquadrava em qualquer lista de sintomas ou diagnóstico diferencial médico, o nome foi retirado de relatos franceses datados do século XVII.

O que chama a atenção é que o diagnóstico é feito de forma pessoal com base em relatos compartilhados na internet. A pessoa acredita que está doente e descreve os sintomas nas redes sociais que acabam por “contaminar” o leitor.

Dermatologistas, psiquiatras e outros clínicos compartilham da ideia de que a Síndrome de Morgellons não passa de uma Parasitoses Delirante, da qual o indivíduo se julga contaminado por um parasita devastador.

O caso já atingiu famosos, no mês passado a atriz americana Joni Mitchell foi internada na UTI alegando que vê e sente fibras (pequenos filamentos) brotarem no seu corpo e reclama que os médicos não acreditam que ela está extremamente debilitada.

É bem verdade que a humanidade se comporta como uma “manada”, característica popularmente conhecida como “Maria vai com as outras”. Ocorre que no atual contexto, envolto da facilidade de manipulação de informações e da dependência da vida virtual, isso pode tomar proporções grandiosas.

O professor e filosofo americano Noam Chomsky dedica grande parte de seu ofício a criticar a manipulação da opinião pública pela mídia, o que ele chama de Fabricação do Consenso. Esse termo criado em 1920 pelo jornalista Walter Lippman, significa ganhar adesão e apoio da opinião pública criando “ilusões necessárias”.

No caso do Morgellons, essas ilusões foram criadas pelo medo, insegurança ou até mesmo o terror. Não é a toa que desde 2002, só Estados Unidos, foram registrados milhares de casos e o país está no topo da lista de enfermos.

Rebanho? Excesso de informação? Alucinação coletiva? Estamos diante da primeira doença transmitida pela internet? Só espero que, assim como em 1938,  exista apenas um “inofensivo” cineasta por trás disso tudo.

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