Fora de Satã (França, 2011)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

Fora de Satã (França, 2011)

13 de Maio de 2016 às 01:36

O homem é um ser em constante transformação. Assim sou eu. Ultimamente tenho tentado me desvencilhar do arquétipo seguro e retilíneo. A cada dia que me desperto e sigo a rotina, uma nova experiência me invade e diz que estou aqui aprendiz. Essas andanças deixam em mim marcas. Prefiro a dúvida. Um amigo, por qual nutro admiração, confirma que pensar é evoluir. Sigo então à risca, não só pelo afeto pessoal da amizade, mas pelo gosto de se pôr em xeque
Às vezes falo, em outras calo. Não pretendo, nem me cabe replicar temas que me angustiam. Afinal, o que me atormenta raramente fere o outro. E digo o mesmo àquele que me incute ideias. O mundo é pequeno, grande é um homem. Os outros não se afogam em pensar, ou não o fazem com tanta vontade. Ah, que pretensão a minha, todos sofrem aos cotovelos.
Este que escreve pena, sem lamento. Não aquele sofrimento utópico e charmoso dos românticos. Não me dói o sentimento de inadequação, tampouco os atos corriqueiros da rotina. A angústia é não se medir. Escuso-me do tom confessional.
Andava duvidando de mim quando outro amigo considerou sobre o que me afligia, quase me convencendo: O que importa é fazer o bem. Como se eu esperasse a salvação dos céus. Também espero, mas esta nunca foi a motivação. Revidei um olhar tão frustrante que tampouco couberam palavras na réplica.
É assim, quando não se espera, em meio a indagações, onde não há resposta, existe conforto. Em outros momentos, Fora De Satã não teria efeito algum, mas era hora. Não porque o filme trouxesse respostas, mas por que sentir algo que outro sente é, de alguma forma, uma maneira de se evadir da solidão. Perceber que algo estranho ou inquieto não passa despercebidos por outros é similar a discursar em meio a um divã com inúmeros ouvintes.
No filme há quem precise de ajuda e quem se prontifique. A problemática não está em classificar um ato como bom ou ruim, afinal o maniqueísmo resulta inexoravelmente em injustiça, em algum momento da história. Não são poucos os exemplos. Ser humano é ser falho, e quer se faça o bem ou o mal, tais atos resultam em algo imprevisível, até que outro o classifique a posteriori tal valor da coisa.
Sabido de todos estes pormenores, Bruno Dumont pretende sublimar essas dúvidas construindo um personagem além de toda humanidade. Um ser não dotado de sentimento que vive em nosso meio, com poder sobrenatural. Seus atos transcendem o julgamento humano ao se intrometer no sentido de justiça. Aquele Messias não respalda nosso senso de moralidade, pois que para seguir com seus milagres, extrapola os limites da ética e dos princípios bíblicos, que norteiam a civilização ocidental.
Fernando Pessoa buscou explicitar em seus heterônimos a limitação do julgamento humano. Acreditou que quanto menos um homem interviesse na vida de terceiros, mais o mundo se encontraria em harmonia. É mister a observação que a tragédia é menor quanto menos o homem procura agir, seja para o bem ou para o mal ou, nas palavras do poeta português, todo o mal vem de nos importamos uns com os outros, quer para fazer o bem ou para fazer o mal. Na ótica de Pessoa, a miséria nasce a partir do momento em que o homem pensa e decide agir e portanto, seria algo inato ao ser humano, já que a todo momento este se encontra em constante raciocínio e transformando seu meio.
Freud compartilha de modo mais cruel o fardo de ser homem. Ao afirmar que para se viver em sociedade é necessário se tornar um falsário, reprimindo seus desejos, posto que amiúde seus instintos levariam tragédia, aniquilando a humanidade se fosse permitido sua vontade. Para o psicanalista austríaco, a liberdade de praticar o bem ou o mal fatalmente traria o caos ao universo. E não é isso próximo do que vivemos atualmente?
Refazendo-se em meio às divagações, Bruno Dumont fecha seu enredo com um singelo recado: talvez se faça necessário pontuar limites para ação humana. A redenção não é algo palpável para nós, homens de carne e osso. Não há condições nem espaço para super-homens (deixemos Nietzsche para outra ocasião). Aqui não habitam Deuses mas seres falíveis. Nunca conseguiremos estar à altura do personagem principal de Fora De Satã. Não existe outro caminho para homem senão o da ética, mesmo este, em alguns momentos, sendo a antítese do senso comum e do que significa ser essencialmente bom.
PS: Agradecimento em especial aos amigos Luiz Alves Portela Júnior e Antônio Pereira da Silva Neto.
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