IDA (Polônia, 2014)

Por Leandro Lages, em CINEMA

IDA (Polônia, 2014)

30 de Julho de 2015 às 17:34

O ser humano é o único animal capaz de imaginar coisas. Não só isso, também é o único capaz de fazer os outros acreditarem nas verdades e realidades criadas por sua imaginação.

O holocausto é um exemplo disso. Baseada em argumentos científicos, a ideologia nazista gerou um credo e fez muitos acreditarem na seguinte verdade: “o progresso da humanidade depende da preservação da espécie mais pura; o cruzamento de espécies impuras degrada a humanidade, com risco de levá-la à extinção”.

Na obra “Sapiens - Uma breve história da humanidade”, o historiador israelense Yuval Noah Harari demonstra que os nazistas acreditavam que o homo sapiens havia se dividido em várias raças, cada uma com qualidades únicas. A raça ariana tinha as melhores qualidades. As outras raças seriam como os neandertais, inferiores ao homo sapiens.

Se fosse permitido que essas raças inferiores procriassem, especialmente com os arianos, elas adulterariam a população humana e condenariam o homo sapiens à extinção. Hitlerconseguiu fazer com que muitos acreditassem nisso. Até hoje alguns ainda acreditam.

Vencedor do Oscar-2015 de melhor filme estrangeiro, IDA aborda o holocausto por um viés bem diferente de outros filmes. Na verdade, somente na metade do filme se percebe que a temática é essa.

O filme inicia com a noviça Anna, às vésperas de seus votos para se tornar freira, sendo convencida pela Madre Superiora a conhecer sua tia, única remanescente da família. Anna chegou ao convento ainda criança e jamais teve contato com o mundo exterior.

No primeiro encontro com a tia, uma revelação: Anna é judia e seus pais desapareceram após deflagrada a guerra. As duas, então, partem em busca de informações sobre os pais de Anna, viajando por vilarejos onde moraram.

Durante a viagem, Anna tem suas convicções religiosas testadas pela tia, uma senhora solteira, alcoólatra, amarga e sem fé. Com frequência a tia lhe indaga sobre a existência de Deus, prazeres sexuais e diversões. 

Chega a lhe apresentar o galanteador saxofonista de uma banda que faz ótimas incursões musicais no filme, com o qual Anna estabelece um interessante dialogo.

Em um determinado momento, a tia questiona até mesmo os votos das freiras, pois como falar de sacrifício sem conhecer o prazer de alguns pecados?

Algo similar é abordado no tocante filme indiano Samsara (2001), no qual um monge budista abandona a vida de estudos e meditações para conhecer a realidade fora do mosteiro. E argumenta com o seu superior ao se referir à vida sem experiência sexual:“Como renunciar a algo que nunca tive?”

A breve convivência com a tia e o descortinar de um mundo isolado pelos muros do convento criam fissuras nas convicções de Anna deixando-a em um dilema: retornar ao convento para os seus votos de freira ou permanecer com a tia na busca pelos pais?

O filme marca pela convivência antagônica entre a tia e a sobrinha, duas pessoas tão distantes e ao mesmo tempo tão unidas por laços familiares.

A jovem Anna passou toda a vida isolada no convento, sem qualquer contato com a realidade. Já a tia vivenciou os horrores do holocausto, o que talvez tenha enegrecido o colorido da sua vida, tornando-a fria e sem esperança.

Assim também segue o filme, todo em preto e branco, com uma bela e sóbria fotografia destacando os tons de cinza das paisagens frias do inverno polonês.

Destaque também para a atuação de Anna, interpretada pela atriz polonesa Agata Trzebuchowska, conseguindo exprimir, de forma respeitosa, a beleza singela e a sutil sensualidade da noviça.

Anna sabe atuar com o olhar. Fala pouco, pois seus olhos expressam sentimentos. Na cena final, cabe uma comparação com o filme “Os incompreendidos”, de François Truffaut.

O filme de Truffaut encerra com um destaque no olhar do protagonista, um garoto fugindo, correndo, olhando para o horizonte. Apesar da aparente sensação de liberdade, o olhar do garoto evidencia incerteza, desesperança e medo.

Já Anna, na cena final do filme, caminha com passos firmes. Seu olhar fixo e inabalável mais uma vez revela os seus sentimentos e transmite a certeza da irrevogabilidade da decisão que acaba de tomar.

Uma decisão que parte de alguém que experimentou a vida fora do convento e parece ter lido o seguinte trecho de Mein Kampf, de Adolf Hitler: “Lutar contra a natureza é provocar a própria destruição.”

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