Nymphomaniac vol. 1 (Dinamarca, 2013)

Por Raul Lopes, em CINEMA

Nymphomaniac vol. 1 (Dinamarca, 2013)

26 de Março de 2014 às 20:29

"Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de outono, em que nuvens baixas amontoavam-se opressivamente no céu, eu percorri a cavalo um trecho de campo singularmente triste, e finalmente me encontrei, quando as sombras da noite se avizinhavam, à vista da melancólica Casa de Usher."

Edgar Allan Poe

O dinamarquês Lars Von Trier é um dos mais brilhantes diretores europeus da atualidade. Em 1995, juntamente com o outro diretor dinamarquês Thomas Vinterberg (Festa de Família – DIN/SUE, 1998 e A caça – DIN, 2012), criaram um polêmico movimento cinematográfico chamado de DOGMA 95. Trier e Vinterberg criaram 10 mandamentos para produção de filmes e os que cumprirem com essas regras, ganhariam o selo do DOGMA 95.

As cópias dos filmes enviados para o recebimento do certificado deveriam cumprir as seguintes regras:

  1. As filmagens devem ser feitas no local. Não podem ser usados acessórios ou cenografia.
  2. O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa.
  3. A câmera deve ser usada na mão.
  4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial.
  5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
  6. O filme não deve conter nenhuma ação "superficial".
  7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos.
  8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
  9. O filme final deve ser transferido para cópia em 35 mm, padrão, com formato de tela 4:3.
  10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

Atualmente, existe mais de 70 filmes com selo do DOGMA 95, o único do Lars Von Trier é Idioterne (DIN/FRA/SUE, 1998). Consta também um brasileiro na lista, o DOGMA #78 – Velório em Família (BRA, 2010) de Rosário Boyer.

Nymphomaniac Vol. 1 não é DOGMA 95, mas é Lars Von Trier. Trier não costuma errar, muito pelo contrário, em sua filmografia constam premiados filmes no cenário mundial, dentre eles: Europa (1991), Ondas do destino (1996), Dançando no Escuro (2000), Dogville (2003), Manderlay (2005), Melancholia (2011) ...

O filme foi precedido de muita expectativa, pois trata-se de uma produção com forte conteúdo erótico e com duração de 5,5 horas. A obra foi dividida em dois volumes e exibido nas salas comerciais de cinema com grande presença de público.

O que causa surpresa é que o filme parece ter incomodado a crítica. Diante do título do filme Nymphomaniac, do diretor e roteirista Lars von Trier, o que a crítica queria que saísse dessa cartola ? Um coelho ? A verdade é que poderia sair de tudo dessa cartola, menos um coelho.

Apesar da capa do filme trazer a frase “esqueça o amor”, trata-se de um filme sobre o amor ou sobre a procura por ele. Por trás do simples roteiro do próprio Trier, Nymphomaniac apresenta a história de Joe (Charlotte Gainsbourg) uma mulher que assume seu lado ninfomaníaco e relata suas aventuras sexuais a um senhor desconhecido chamado Seligman (Stellan Skarsgard).

A experiente Charlotte Gainsbourg, que apesar dos 43 anos de idade, possui uma incrível lista de participação em mais de 40 produções, interpreta Joe, a figura principal da narrativa. Desde a primeira cena quando Joe aparece toda machucada, chama atenção a ambientação fria e sem cor, o que reflete um cenário desprovido de qualquer sentimento.

O estilo de Trier não deixa de lado as lições do DOGMA 95, ainda percebe-se a aproximação (Zoom) da câmera sem corte ou mudança de plano, recurso que traz realismo e crueza às cenas.

O perigo de um filme como Nymphomaniac vol.1 é procurar sua essência, pois frequentemente o diretor brinca, provoca, tenta tirar os piores sentimentos de que quem assiste, fazendo com que o espectador se martirize pelo que foi levado a sentir.

O filme é uma rebelião contra o amor, como bem define Joe: “o amor é a luxuria adicionada de inveja”. Joe apresenta sua história em capítulos (comum nas obras de Trier) e logo de cara somos apresentados a Jerôme, o ponto fraco de Joe, aí é onde pode estar a chave que Trier precisa para confundir e até mesmo brincar com o espectador.

Trier não tem pena, incomoda muito, alguns podem se perguntar: realmente tudo isso é necessário? Exageros a parte, Joe se apresenta sem qualquer sentimento, o seu niilismo parece sem cura, até mesmo quando presencia a separação de um casal diante dos filhos com requintes de crueldade, Joe não esboça qualquer reação.

O diálogo entre Joe e Seligman é recheado de casos e curiosidades, uma espécie de dicionário cultural que aos poucos vai se moldando aos acontecimentos do filme. Essa tentativa do diretor pode até parecer perdida, mas trata-se de um tempero as aventuras de Joe.

Assim como o filme, esse post não possui um final conclusivo, quem sabe no vol.2.

Voltar