O CURIOSO DIÁLOGO ENTRE O PEIXE GRANDE E VASCO MOSCOSO DE ARAGÃO

Por Wilson Araújo, em CINEMA

O CURIOSO DIÁLOGO ENTRE O PEIXE GRANDE E VASCO MOSCOSO DE ARAGÃO

26 de Agosto de 2015 às 17:49

Quando a banda acabou e o bar fechou, eu não me sentia suficientemente bêbado pra ir pra casa. Também não estava devidamente sóbrio pra dirigir... aliás, eu nem lembrava exatamente onde tinha deixado o carro. Resolvi sair caminhando pela cidade, em busca de uma última dose.

Acendi um cigarro e fui. Vaguei por aí um bom tempo, nada aberto, cada vez menos pessoas, cada vez mais silêncio. Aquilo era estranho, mas não sei se realmente prestava atenção, o fato é que quando dei por mim estava perdido. Pra quem nasceu e viveu na mesma cidade, eu estava realmente surpreso por nunca ter visto aquele lugar. Comecei a escolher ruas aleatoriamente e quando passei por uma viela estreita, parei estarrecido.

Aquilo era realmente novidade, a viela terminava num terreno amplo. Uma rua de asfalto estreita (suficiente pra uns dois carros), começava do nada e terminava numa igrejinha, em ambos os lados da rua havia uma série de casas, lojas e bares, com calçadas de grama. De um poste de ferro e baixo pendia uma placa onde se via escrito: “Vila Espectro”. Cada vez mais intrigado fui caminhando e conhecendo o lugar.

Vejo então o que procurava... Bar... “Bar do Amado”, hahahaha, nome legal, entrei. O interior era absolutamente sensacional e nada de mais. Da porta, em linha reta um balcão em formato de meia lua, com mesinhas disposta aleatoriamente num espaço retangular de uns 7mx5m. Dei uma rápida olhada no ambiente: um senhorzinho simpático sentado numa mesa escura bem à esquerda, três homens no balcão, dois conversado e um dormindo. Além do barman, claro.

Ninguém me reparou, me dirigi ao balcão pra pedir um trago e escutar, despudoradamente, a conversa alheia.
 
-- Boa noite, seu... – comecei para o barman.
 
-- Tim – respondeu
 
-- Boa noite, seu Tim. Uma cerveja e uma informação. Quem são? – perguntei apontado para os homens que conversavam.
 
-- Seu Vasco e Seu Edward... Edward Bloom.
 
-- Bloom, tipo florescer?
 
-- Isso mesmo.
 
Dei um gole na cerveja e me concentrei no papo. Edward falava, um papo fantástico do dia em que o filho nasceu, enquanto ele pescava um peixe usando a aliança como isca. E seguiu contando histórias diversas e quase míticas sobre gigantes, lobisomens e amores eternos.
 
-- ... e foi assim que fui trabalhar para o circo. Durante anos, pisoteado, esfaqueado, limpando merda e sendo bala de canhão. Tudo por um amor, cada mês eu recebia uma informação sobre ela...
 
-- Tipo Jacó?
 
-- Mas valeu cada hematoma. Assim como valeram as missões suicidas no Vietnã, quando conheci as siamesas e viajei meio mundo pra voltar pra casa.
 
-- Nem me fale em meio mundo – interpelou Comandante Vasco – porque acha que me chamam capitão-de-longo-curso? Já rodei os sete mares e cinco continentes, conheci mil portos e tive um milhão de amores.
 
-- Uma pena que meu filho duvida do que eu falo...
 
-- Um filho? Metade da minha vila duvida de mim!
 
-- Não entendo a dificuldade em aceitar o que eu digo. Acredita que ele até hoje duvida que eu vi minha morte no olho de vidro de uma bruxa? Ou que eu plantei um bosque de narcisos em uma única noite.
 
-- E quanto a mim? Eu tenho títulos, todos os equipamentos e ferramentas, tenho histórias e o mar nas veias ainda assim me perguntam quantas amarras para segurar o navio.
 
Pausa para um suspiro dos dois senhores. Edward toma fartos goles d’água, enquanto Vasco desce duas doses de cachaça.
 
-- Porque acham que duvidam de vocês? – perguntei, enquanto eu mesmo duvidava seriamente de tais histórias.
 
Olharam para mim ao mesmo tempo, com surpresa de me verem, como se eu tivesse acabado de aparecer ali do lado deles.
 
Vasco pronunciou-se primeiro:
 
-- Veja bem, meu rapaz. A pessoas não se bastam, mas também não toleram que outro faça o que sempre desejaram. Todos querem um super-herói, mas apenas nas histórias ou revistinhas. Na vida, na vida real, pessoas como nós assustam e deprimem, porque fazemos o que a covardia deles impede que façam. Acreditar que mentimos é reduzir a impotência deles.
 
-- Digo apenas que conto minha história, se não quiser acreditar isso é problema seu e não meu – retrucou Edward.
 
Continuaram comentando suas aventuras, me ignorando. Confesso que achei muito exagero e fantasia. Notei que já clareava e decidi ir embora, o homem que dormia agora remexia-se, acordando. O senhor sentado à esquerda também se levantava e Tim despediu-se dele:
 
-- Adeus seu Amado..
 
Ahhh, o dono do bar. Resolvi interpelar, enquanto saíamos e eu acendia mais um cigarro. Mas antes, já fora do bar escutei um berro louco: “ÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁGUUUAAAAAAA”. Seu Amado riu, aproveitei a deixa:
 
-- Acredita em algum dos dois? Não acha muita fantasia pra ser verdade?
 
-- Onde está verdade, responda-me por favor; na pequena realidade de cada um ou no imenso sonho humano?
 
Fiquei calado e escutei o barulho do mar. Agora sim a coisa ficava irreal, mas estava lá pra ver. Amado seguiu em direção ao mar e resolvi ir atrás. Ele foi entrando, água no peito.
 
-- Seu Amado!! Seu Amado!! Cuidado.
 
-- Me chame de Jorge.
 
E mergulhou. No segundo seguinte um peixe enorme saltou da água.
 
Ninguém acreditou na minha história quando contei.
 
Senti, então, que deveria sentar naquele balcão com Mr. Edward e Comandante Vasco, capitão-de-longo-curso.

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