O GRANDE DITADOR (EUA – 1940) (ou, o Totalitarismo e o Brasil desnudo)

Por Wilson Araújo, em CINEMA

O GRANDE DITADOR (EUA – 1940) (ou, o Totalitarismo e o Brasil desnudo)

15 de Julho de 2015 às 17:17

O Grande Ditador é um grande clássico do cinema, não só pela atuação e roteiro, não surpreendentemente genial de Charlie Chaplin, mas pelo conteúdo político e discussão provocada por esta sátira aos regimes totalitários que se estabeleceram em boa parte do mundo no século XX.

O filme começa com cenas de guerra da 1ª Guerra Mundial, sob o ponto de vista de um simpático e inocente soldado da Alemanha, que entre algumas trapalhadas descobre por fim que seu país perdeu a guerra. Este “prólogo” aparentemente descontraído diz muito sobre a origem do regime totalitário na Alemanha. Ou, como uma ironia colorida, o dia em que pintamos nossas caras.

Dentro do contexto histórico da época, Alemanha e Itália foram os últimos países da Europa a se unificarem e, portanto, largando bastante atrás na corrida imperialista. Assim, ante à obrigação de fortalecerem-se em pouco tempo para ganhar espaço e poder fazer frente às outras potências tiveram de direcionar a produção industrial para as necessidades geradas pela guerra. Os governos tiveram de se fortalecer, acumulando poderes e funções de Estado, em detrimento das funções democráticas e respeito à independência de poderes. Isso, de forma simplificada, pela necessidade de tomadas de decisões rápidas e sem interferência de opiniões divergentes. Ou, como adoração tupiniquim, amadas Medidas Provisórias.

Assim, sob a ilusão do patriotismo os governos concentram as decisões de Estado e tomam o poder total, assumindo o controle de todos os aspectos da vida pública e privada. No filme, isso fica evidente com a série de proibições a que os judeus e os “não loiros de olhos azuis” estão sujeitos, somado à forma como são tratados e humilhados. Ou, como fosse o filme gravado no agreste, deflagrassem a estupidez e vagabundagem dos que morrem de fome com programas assistencialistas.

Aqui, o filme dá outra mostra de genialidade, expondo a forma de controle pela propaganda, as patrulhas ideológicas e as violências consagradas após a implementação das ideias totalitárias. Ou, como premonição do trivial, da guerra ideológica que demoniza parcelas da população para justificar atos de barbárie.

A propaganda é a arma inicial dos regimes totalitários, uma forma de violência, é claro, mas serve basicamente para arregimentar a população a acreditar e coadunar com os governos totalitários. Primeiro se conquista a massa, para depois controlá-la e uma vez controlada ela faz o que é mandada. É uma artimanha interessante, porque primeiro se cria factoides e depois de ter o controle da manada, se faz com que esses fatos falsos sejam combatidos ferrenhamente pela turba em prol do nacionalismo e/ou valores morais. Ou, como escárnio pretérito, separar o país em classes golpista, até que a vencedora esteja legitimida a massacrar as perdedoras.

Pouco importa o que se manda fazer, tudo será feito, afinal a violência física estará legitimada após a efetividade da propaganda do regime totalitário. No filme há uma cena, cômica evidentemente, quando são anunciadas determinadas medidas contra os judeus, que os põe em pânico. Momento em que todos fogem das perseguições policiais, sem que cidadão algum questione a legalidade ou moralidade do ato. É a imagem do que foi dito, a expressão cinematográfica das ideias violentas legitimadas num regime totalitário. Ou, como antecipação da bestialidade humana, os regozijos ante aos linchamentos em praça pública e pelouros modernos.

Existem ainda as patrulhas ideológicas (termo cunhado pelo cineasta brasileiro Cacá Digues), onde se designa uma organização informal de pessoas unidas por laços ideológicos ou religiosos que tem por objetivo de impor seus ideais a outro grupo de pessoas, munindo-se de discursos, protestos e reivindicações. Essa atividade se caracteriza por uma vigilância constante do público alvo. Mais uma vez Chaplin aborda o tema, afinal, mesmo antes do termo ser cunhado a ideia já existia, e fica claro no filme pelas constantes perseguições que o grupo sofre pelo simples fato de haver uma ideia contra eles. Na Alemanha nazista, a queima de livros diz muito sobre a questão. Ou, como um retorno de dois mil anos, atiram-se pedras em jovens diferentes e fazem-se odes à tradicionalidade familiar.

Como se vê, o filme aborda consequências importantes das políticas adotadas num regime totalitário e, entre todas, a limitação das liberdades individuais e livre manifestação de pensamento e profusão de ideias. Ou, como dizem por aí, democracia até eu perder e “autolegislador” é só uma alCunha.

Dentro de tais regimes onde o autoritarismo anda unido com a ideologia e uma pessoa ou grupo de pessoas detém o controle da massa, por meio da propaganda e repressão, não há espaço para debates e contraditas. Ao contrário, há um sistema de coerção institucionalizado, garantido legalmente e aceito tacitamente pela multidão anestesiada pela propaganda ou paralisada pelo medo e/ou impotência. Neste ponto, quando conseguido, os regimes totalitários golpeiam o coração da humanidade, sua capacidade de raciocínio e difusão de ideias. A capacidade inata de questionar e descobrir fica tolhida e pisoteada pela ignorância grandiloquente de um pequeno grupo que em nome do poder e pelo mero exercício deste, sente-se à vontade de ditar todas as regras e com o tempo acreditar que conhece todas as intenções, ainda que matem as dissidentes. O Totalitarismo, pois, é a “anti-humanidade” a excrecência ética e comunitária, a negação do curso natural humano. Ou, como num relato televisivo, a verdade é o que eu gosto, o que eu mostro e o que vocês devem repetir.

O Grande Ditador mais vez aborda o tema, quando o ditador manda matar e prender todos que dele discordam, ainda que seja seu braço direito e fiel escudeiro (Schultz), como Stálin fez com todos os companheiros de revolução. Ou, como numa reforma partidária, quando toda a história de desfaz.

O filme, portanto, ainda que humorístico e satírico aborda com responsabilidade um tema sério que se enraizou em diversas nações pelo século XX, no mundo todo e cuja sombra ainda permanece amedrontando alguns, enquanto outros se conquistam por tais retrocessos. Vale lembrar, finalmente que o filme foi feito na plena existência desses regimes, quando Chaplin mostrou inteligência, boa informação e coragem para tentar alertar o mundo sobre os horrores do Totalitarismo.

Mas, numa terra de surdos, gritar é só que se faz.

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