O Homem Elefante

Por Márcio Barros, em CINEMA

O Homem Elefante

13 de Agosto de 2015 às 17:41

Numa tediosa e nevoenta noite da Londres vitoriana, o médico cirurgião Frederick Treves vagueia por entre as atrações de um circo de horrores quando percebe um pequeno tumulto: Oficiais de justiça interditam um número sob a alegação de que seria por demais degradante. Bytes, o responsável pela "aberração", deveria retirá-la dali imediatamente, sob pena de ser preso. Por trás da multidão curiosa havia uma jaula coberta por um manto com a inscrição: O Homem Elefante.

De volta para casa, Treves perguntava-se sobre o que deveria haver de tão "abjeto" dentro daquela jaula. Nos dias seguintes, entre um intervalo e outro da rotina, não foi difícil encontrar Bytes e sua criatura nos arredores poluídos da cidade. Por algumas libras finalmente teve acesso a um show particular do "homem elefante". Quando a jaula escura enfim se descortina, Treves tem um choque. Em todos aqueles anos de profissão nunca havia visto nada parecido. Um homem completamente coberto por tumores, com um crânio exageradamente grande e deformado, membros terrivelmente desproporcionais e vários hematomas. Provavelmente também havia sido muito maltratado. Após uma tensa negociação com o desagradável Bytes, o médico consegue levá-lo ao hospital de Londres para cuidar dele e estudá-lo melhor.

Todos no hospital ficaram impressionados. Tratava-se de algo bastante raro, até mesmo ali. Ao ver a criatura, era improvável outro sentimento que não a repulsa. Além do mais, não falava. Parecia ter sérios problemas mentais. Mas um sentimento estranho dizia a Treves que por baixo de todas aquelas camadas de deformidades havia um ser humano, uma personalidade talhada por anos de sofrimento que qualquer um ali sequer imaginou ser possível.

E ele estava certo. Após varias tentativas de diálogo, o homem finalmente cede ao insistente Treves. Seu nome era John Merrick tinha 21 anos. Fora abandonado ainda na infância pela mãe, de quem guardava uma foto. Desde cedo se resignara à sua condição. Evitara falar, temia uma reação ainda pior das pessoas. Acostumara-se às expressões hostis e de medo dos rostos. Achava que esse era seu quinhão no mundo: Vagar por entre estaleiros imundos e divertir gente interessada em seu aspecto bizarro.

Às vezes, enquanto era fustigado por Bytes, ou quando estava trancafiado numa jaula nas noites frias de inverno, achava que fosse mesmo um animal. Olhando a fotografia de sua linda mãe, era compreensível que ela o abandonasse. Devia ser um estorvo... Mas, nesses momentos, recitava mentalmente o salmo 23, o seu preferido:

"Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo[...] Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias."

À medida que Merrick  narra suas desventuras, fica evidente que se trata de alguém extremamente sensível. Como um Dorian Gray invertido, enquanto seu corpo se deformava de maneira atroz com o tempo, sua alma permanecia intacta.

Treves o apresenta à sua mulher, a adorável Anne, que imediatamente enxerga John Merrick e não o homem elefante, como todas as outras pessoas. Era algo extremamente desconcertante para John.  Nunca o haviam tratado assim. Definitivamente não era um animal. Sua mãe ficaria orgulhosa em saber que tinha amigos tão amáveis. No entanto, eram raras as pessoas com a sensibilidade do casal Treves. Para a maioria ele era apenas um motivo bizarro de curiosidade. 

Mas não demora até o terrível Bytes aparecer de volta, como um espectro. Em uma visita sorrateira ao hospinal, ele nota que seu "tesouro" vive confortavelmente, é presença constante nos jornais londrinos e uma sensação entre a alta sociedade. Continua sendo, no fundo, uma mera atração. E, aproveitando um lapso na segurança do Hospital, Bytesleva embora sua propriedade.

John Merrick volta novamente às trevas dos estaleiros, circos e jaulas. No submundo em que conhecia bem, havia uma romaria de outros tipos “grotescos”: Anões, mulheres de barba, gêmeos siameses, homens gigantes etc.. Pessoas à margem de tudo e de todos que, como ele, eram expostos de forma humilhante para platéias sedentas.

Por meses perambulam pelos inferninhos londrinos. Seu corpo debilitado já sofre bastante com os maus tratos. Durante um dos porres habituais de Bytes, os colegas de ofício de John se unem para libertá-lo. Todos eles conhecem de maneira familiar seu sofrimento de inadequação e abrem as grades: "Está livre agora, pobre amigo".

John volta ao hospital. O senhor Treves e sua esposa o recebem calorosamente. Não, não era um animal, certamente. Seus amigos o haviam libertado do vale da sombra da morte. Frederick Treves enxergara nele o que ninguém vira antes, como quem vê a beleza desajeitada de uma flor que brota do asfalto, em meio ao trânsito caótico, confirmando o que diz o poema:

"[..] Há um ouvido mais fino que escuta, um peito de artista que incha, e uma rosa se abre, um segredo comunica-se, o poeta anunciou, o poeta nas trevas anunciou".

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