O Homem que amava as mulheres (França, 1977)

Por Márcio Barros, em CINEMA

O Homem que amava as mulheres (França, 1977)

20 de Julho de 2016 às 19:33

"Não se pode fazer amor o dia inteiro, por isso inventaram o trabalho", esta frase talvez seja a que melhor defina o espírito de O homem que amava as mulheres (l'homme qui aimait le femmes) de François Truffaut, de 1977.
O filme narra a história de Bertrand Morane, um solteirão de quarenta anos que vive diariamente o lema de Oscar Wilde "A única maneira de libertar-se de uma tentação é entregar-se a ela." Bertrand, nas horas vagas, trabalha em uma empresa de design de protótipos de aviões e submarinos. O resto do tempo dedica-se à arte de observar e seduzir mulheres anônimas garimpadas ao acaso nas ruas de Montpellier (ao pé da letra, monte pelado, em francês).
Mas o nosso "herói" não é nenhum Casanova, ou Visconde de Valmont. Pelo contrário, detesta o estereótipo do conquistador niilista, que cataloga suas conquistas e as arrota orgulhosamente em mesas de bares. Há algo de doloroso em sua caminhada, pois, como diria Nelson Rodrigues, o desejo é triste: Quando não satisfeito, nos dá a sensação de incompletude. Quando satisfeito, vira tédio.
Se há dor no prazer, também há prazer na dor. Em uma das melhores cenas do filme, Bertrand encontra uma garotinha de 9 anos chorando na escada do seu prédio. Pergunta-lhe o que houve. Ela conta uma dessas lamúrias comuns a crianças de sua idade. Bertrand a questiona se no fundo ela não sente um pouco de prazer em estar chorando, ela pensa um pouco e, envergonhada, diz que sim.
"O Homem que amava as mulheres" na verdade representa todos nós (homens e mulheres), quando se puxa o fino lençol moral (tecido por séculos e séculos de repressão e convenções sociais) que nos cobre. No fundo, continuamos os mesmos animais movidos pela vontade darwiniana de procriar a todo instante.
Truffaut nos presenteia com um personagem visceral e honesto, que é, como toda a verdade, chocante e doloroso. Bertrand Morane, parafraseando mais uma vez Nelson Rodrigues, enxerga o mundo pelo buraco da fechadura. E este talvez seja, verdadeiramente, o mundo real.
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