O Lobo Atrás Da Porta (Brasil, 2013)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

O Lobo Atrás Da Porta (Brasil, 2013)

24 de Dezembro de 2014 às 13:22

No princípio reinava o bem. O homem, em sua pureza, guiava-se por  instintos a mercê de um Deus onipresente. O bem e o mal não eram conceitos vigentes e assim se fez a raça humana, marchando alheia as conseqüências de seus atos. A repreensão, se existia, ainda não vinha dos céus; quiçá pior, nunca seria fruto da consciência. Livre e segura, suas ações não seriam dignas de julgamento; subverteram culpa e glória, cegas dos efeitos de suas escolhas.

Então a noção do castigo invadiu os homens. Matar ou sobreviver há de seguir um código de ordem. Inicialmente como deliberação aos homens para que suas perduras não aniquilassem a raça. Desta forma nasceram as leis; antes disso, a ética.

Se as teorias evitavam predestinar os homens, mais o instinto prevaleceu. Bentinho, o Casmurro, tentou se equilibrar entre as vontades inatas que inquietavam seu íntimo; vagou pelos rios perenes da paixão, afoito sem saber que o movimento das marés surpreende até os marujos que mais conhecem o revés.

Neste ensejo se fez Sylvia (Leandra Leal), com toda pureza de berço, carregando inocência e fatalidade. Bernardo (Milhem Cortaz), distraído, em conluio com a cobiça. Eis que em um átimo um de dois tenta romper o cerol do desejo que os une. Apetite e inapetência compartilham etimologia, mas há de se notar: negar uma verdade é, antes de tudo, aceitar sua existência.

Quando Sylvia (Fabíula Nascimento) conhece outra Sylvia, não se trata de coincidência. O existencialismo bate à porta. A esposa se desconstrói alheia a amante que usurpa e alimenta. Os olhos do dono emagrecem a cria, como subterfúgio onde esconder é açoitar o predador, é dar corpo ao desejo. Nesta contradição, no embate entre o Eu e o reflexo do que se almeja ser nos olhos do outro, mais cedo derrota se anuncia; antes mesmo do autoconhecimento.

Maldito aquele que não conheceu o amor. Este fervor que individualiza e torna invencível o menos temido dos seres; glorifica falhas e crucifica virtudes no instante em que se sacrifica para se tornar imortal. Maldito aquele que não conheceu o amor.

Mas o amor não permite dúvidas, embora não seja coisa que se meça: não existe a dimensão do amor. A grandeza está no limite onde olhos ou coração alcançam. Livre assim, O Lobo Atrás Da Porta transcende a visão maniqueísta do amor: aquele que ama não só deseja o bem; e quem não ama, por sua vez, acalenta o inimigo?

Então se compreende o significado da obra. O Lobo Atrás Da Porta legitima o olhar do rejeitado que, mesmo ferido, homenageia aquilo que torna único cada sujeito. Seja aquele olhar empoeirado do raivoso ou a clareza dos preciosos olhos de quem ama: tudo é sentimento e nada também o é. Vingança se fez e não há ninguém para culpar.   Aliás, a culpa acompanha o mundo antes mesmo da Criação, talvez seja mais velha que o próprio mundo.

Voltar