O Pequeno Príncipe (França, 2015)

Por Leandro Lages, em CINEMA

O Pequeno Príncipe (França, 2015)

08 de Setembro de 2015 às 18:05

“Ora (direis) ouvir estrelas!”
Olavo Bilac

“Pai, não é um filme engraçado, mas gostei”. Essa a resposta do meu filho Arthur, de quatro anos, quando lhe indaguei sobre o que achara da animação que acabáramos de assistir.
 
Acostumado a gargalhar nos filmes infantis produzidos para a sua faixa etária, achou estranho assistir (e gostar) de uma animação que não lhe fez rir.
 
Talvez seja a mesma reação de quem, acostumado a assistir a filmes comerciais de entretenimento vazio, se depara com um filme de arte indutor de reflexões. Ou de quem, leitor de auto-ajuda e redes sociais, abre um Saramago, Garcia Marquez, Machado de Assis ou Dostoievski.
 
A animação francesa “O Pequeno Príncipe” não é uma adaptação literal da famosa obra de Antoine de Saint-Exupéry. A versão original do livro é contada de forma resumida no enredo do filme.

A trama gira em torno de uma garotinha que vive com uma mãe extremamente preocupada com o futuro da filha. 

A mãe já programou toda a vida da criança, agendando os horários de estudo no decorrer de todos os dias, meses e anos, inclusive nas férias, definindo até mesmo a sua carreira profissional.

Tudo transcorre na mais perfeita e rígida ordem até que a menina conhece o seu vizinho, um velho senhor que começa a lhe contar a história de um aviador que encontrou um garotinho quando sofreu um acidente aéreo no deserto do Saara.

A partir desse momento o enredo se torna conhecido para quem já leu “O Pequeno Príncipe”

Todos os personagens aparecem: a raposa, a rosa, a serpente, os habitantes dos asteroides, enfim, as várias metáforas acerca do caráter humano que o livro consegue nos fazer enxergar. E também, claro, as frases e pensamentos que imortalizaram a obra.

As duas tramas seguem paralelas: a estória do pequeno príncipe contada pelo velho senhor e o impacto que tudo isso causa na vida da garotinha.

Até então o seu mundo era reto, cartesiano e sisudo. Tanto que a minha filha Ana Maria, de dez anos e que já havia interpretado a raposa em uma encenação de “O Pequeno Príncipe”, me indagou em voz baixa durante o filme: “Pai, por que no quarto dela nada é colorido?”

Só então reparei esse detalhe, e também que na casa do velho senhor, visto como louco pela vizinhança, tudo era lúdico e colorido. Um contraponto perfeito para ilustrar como deve ser a vida das crianças, nos levando inevitavelmente a questionar:

Por que antecipamos tantas responsabilidades para as crianças? Por que, ao deixarmos de ser crianças, nos tornamos adultos tão atarefados? Por que, enquanto adultos, esquecemos a importância da imaginação e passamos a considerar o lazer como algo não essencial?

Essa problemática na relação entre pais e filhos já havia sido explorada na animação “Coraline” (2009), inspirada na obra do genial Neil Gaiman.

Também é possível fazer associações às animações “Up – Altas Aventuras” (2009), em virtude do convívio entre um garotinho e um rabugento senhor viúvo; “Festa do Céu” (2014), por trabalhar a temática morte para crianças; e também “Divertidamente” (2015), por mostrar que os pais não devem privar as crianças das frustrações que inevitavelmente a vida lhes apresentará.

Apesar de ser uma animação voltada para crianças, “O Pequeno Príncipe” também toca os pais. 

Representa uma bem construída sátira à sociedade contemporânea e às grandes expectativas de sucesso que alguns pais depositam e cobram excessivamente dos filhos, por vezes sacrificando a preciosa infância com sérias repercussões na personalidade do futuro adulto.

Inebriante no aspecto visual e com uma trilha sonora de músicas francesas contagiantes (“Suis-moi” ainda reverbera em meus ouvidos), “O Pequeno Príncipe” não é uma animação para fazer o público rir.

Mas para aqueles que se permitirem uma entrega ao filme e ao livro será possível, assim como Olavo Bilac, conseguir ouvir o sorriso ingênuo das estrelas.

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