O rei da comédia (Estados Unidos, 1982)

Por Márcio Barros, em CINEMA

O rei da comédia (Estados Unidos, 1982)

05 de Novembro de 2014 às 01:34

“Cinco tiros abrem novo negócio” assim se intitulava um texto do jornalista Paulo Francis de 1980 em ocasião da morte de John Lennon. Francis referia-se ironicamente ao ainda incipiente mercado das celebridades. O então Ilustre desconhecido Mark David Chapman disparou os 5 tiros que mataram Lennon em frente ao Dakota e entrou, instantaneamente, no mundo do show business. Dois anos depois, em 1982, Martin Scorsese lançaria O Rei da Comédia, abordando o mesmo tema: O Canibalismo de Celebridades. Era um prenúncio do que estava por vir.

O Rei da Comédia narra a estória de Rupert Pupkin (Robert de Niro) um medíocre aspirante a humorista que vê no ídolo Jerry Langford (Jerry Lewis) um ideal de vida a ser perseguido, não tanto pelo talento que o veterano comediante inspira, mas unicamente pela fama. Rupert quer a celebridade de Jerry, mas não quer pagar o preço necessário.

O roteiro, escrito por Paul Zimmerman, gira em torno da perseguição de Pupkin à Langford rumo ao estrelato. Langford, um brilhante e bem sucedido comediante de meia idade colhe os frutos (os sadios e os podres) de várias décadas de muito trabalho e dedicação. Mas Langford carrega um fardo pesado. Parece endossar a trágica teoria de que os grandes comediantes são depressivos e misantropos (vide Chico Anysio, Robin Williams, John Loyd e muitos outros). É a clássica figura do palhaço triste e que Jerry Lewis interpreta de forma magistral. Dá pra sentir o desconforto shakespereano que o personagem leva consigo ao longo do filme.

Já Pupkin, assim como Mark Chapman, é apenas mais um na manada da mediocridade que é “conduzida” pela idolatria cega. São personagens que alimentam o bizarro mercado de celebridades em que se persegue a fama pela fama, não importando o que se tem a mostrar nem o porquê (Detalhe: o filme foi lançado décadas antes do estouro dos reality shows).

Apesar da boa atuação de Lewis, De Niro rouba a cena. Rupert Pupkin, com sua obstinação pelo sucesso, beira a psicopatia. Talvez este seja um dos personagens mais violentos de De Niro, no entanto, não há uma só cena de agressão explícita protagonizada por ele. Pupkin vive um mundo próprio, no qual ele é o Rei da Comédia, sucesso absoluto de público e crítica.  E nos seus delírios, ele se imagina humilhando o próprio ídolo, num típico artifício psicológico de vingança utilizado para compensar a própria incompetência de não ter o que o ídolo possui (Freud explica). Mas ao mesmo tempo, Pupkin inspira pena e em determinadas ocasiões, até alguma simpatia.

No início do filme, Pupkin consegue abordar Langford que o aconselha a começar de baixo. Que o caminho para o sucesso é longo e tortuoso e nem sempre gratificante. Mas Pupkin não aceita. A ideia Nietzcsheana da sofrida escalada da montanha para só ao final gozar da vista espetacular proporcionada pelo pico, não lhe interessa. Pupkin quer um atalho. E consegue um à la Chapman.

Mas o mercado das celebridades, como todos os outros, segue a lei da oferta e da demanda. Se alguém medíocre como Pupkin consegue notoriedade é porque existe interesse do público em “prestigiá-lo”. Entretanto, o interesse do público parece bastante volátil.

Franz Kafka, em seu fantástico conto Um artista da Fome aborda a questão, quando o personagem, que era célebre por realizar longos jejuns em público, afirma:

“A experiência mostrava que durante quarenta dias era possível espicaçar o interesse de uma cidade através de uma propaganda ativada gradativamente, mas depois disso o público falhava e se podia verificar uma redução substancial da assistência;”

Para Andy Warrol, o “interesse” estaria limitado a 15 minutos. Atualmente, com as redes sociais, talvez nem isso. De qualquer forma, como Rupert Pupkin sentencia ao final: “É melhor ser rei por apenas uma noite do que idiota por uma vida toda”. E este parece ser o lema a ser seguido por milhares de anônimos, mundo afora.

O filme é magistralmente conduzido por Scorsese, tem atuações brilhantes, uma fotografia sóbria e um roteiro bem trabalhado. É uma pena que o Rei da Comédia é um dos menos famosos filmes de Scorsese, ironicamente, aquele que trata da fama.

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