O Tempo e o Vento (Brasil, 2013)

Por Leandro Lages, em CINEMA

O Tempo e o Vento (Brasil, 2013)

18 de Junho de 2014 às 23:12

Até que ponto o cinema consegue transpor para as telas a liberdade imaginativa das obras literárias? A história do cinema é repleta de adaptações desse gênero. A lista é enorme, tais como O Poderoso Chefão, Laranja Mecânica, O Iluminado, afora alguns mais populares e descartáveis.

Algumas adaptações conseguem superar a obra, outras mantem-se fiéis, mas a maioria fracassa e termina por desapontar os leitores. O Tempo e o Vento é um exemplo disso.

A obra clássica de Érico Veríssimo retrata a formação do Rio Grande do Sul e do próprio país a partir da história da fictícia família Terra-Cambará. A narrativa é densa, detalhista e agradável, fruto de mais de dez anos de pesquisa e redação.

Os sete volumes da obra compõe uma trilogia que inicia em 1745 e encerra em 1945, varando oito gerações de uma mesma família. Todos os personagens da família são objeto de uma exploração detalhista nos mais variados aspectos, desde a infância até o fim da vida. Todos são protagonistas em um determinado momento da obra e convivem entre si. Até Getúlio Vargas fez uma “ponta” no enredo.

Isso faz da obra um dos maiores clássicos da literatura mundial, grande não só em extensão, mas também em robustez criativa. Leitura obrigatória e fascinante. Há quem diga que Gabriel Garcia Marques inspirou-se a escrever o premiado Cem Anos de Solidão após ler O Tempo e o Vento.

Dito isto, como esperar que uma obra dessa envergadura seja adaptada para as telas? Impossível. Somente para exemplificar, o Poderoso Chefão gerou uma trilogia de quase dez horas de filmagem e ainda se cogitou um quarto filme para encerrar a história das três gerações da família Corleone. Como retratar, então, as oito gerações da família Terra-Cambará? Seria melhor nem tentar. Mas tentaram.

Inicialmente através de uma novela que eu não assisti, portanto não há como comentar. A segunda tentativa deu-se em 1985, por meio de uma minissérie da TV Globo que obteve grande audiência e contribuiu para popularizar a obra. A minissérie abrangeu apenas os dois primeiros volumes da obra, ainda assim retratados superficialmente, deixando de lado a continuação da saga nos outros cinco volumes.

Na terceira tentativa de adaptação, um filme de Jayme Monjardim que certamente fez tremer os ossos de Érico Veríssimo no túmulo. A exemplo da minissérie da Globo, novamente adaptou-se apenas os dois primeiros volumes da obra, que são de compreensão mais fácil, esquecendo os outros cinco volumes.

Causa a impressão de que o filme copiou a minissérie, e não a obra de Veríssimo. O diretor do filme, talvez mais afeito à narrativa de novelas, transformou a obra literária naquilo que ele parece saber fazer melhor: uma enfadonha novela.

O filme se desenvolve a partir da paupérrima técnica de narração de uma das personagens da obra, Bibiana Terra, em bela atuação de Fernanda Montenegro, um dos poucos créditos do filme, juntamente com a fotografia. E este foi o maior erro do filme: querer transforma-lo em uma grande fotografia, como se as paisagens fossem mais importantes que o enredo da obra.

Thiago Lacerda vive um patético Rodrigo Cambará, fotocópia opaca da atuação de Tarcísio Meira no seriado da Globo. Cléo Pires tenta mostrar talento atuando de forma sensual e, por isso, destrói a personagem de Ana Terra, que na obra é uma mulher forte, áspera, sisuda, e mesmo assim, bastante terna.

Para os que leram a obra, a minissérie da Globo rende uma razoável homenagem por manter-se fiel a alguns diálogos do livro e abranger mais personagens, apesar de abarcar apenas dez por cento do romance.

Já o filme deixa uma grande sensação de vazio, e parece não ter agradado nem mesmo os que desconhecem a obra original, como demonstra o fracasso de bilheteria. A culpa talvez tenha sido da tentativa de adaptar uma obra única como O Tempo e o Vento, uma verdadeira odisseia.

Em certo momento da obra, o personagem Rodrigo Cambará exclama: “Se o homem não goza de toda a liberdade no reino da imaginação, onde é que vai gozar?”. Para gozar dessa liberdade imaginativa em O Tempo e o Vento, só mesmo através do livro, jamais pelo filme.

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