OS ENCONTROS DA MEIA NOITE (FRANÇA, 2013)

Por Wilson Araújo, em POESIA

OS ENCONTROS DA MEIA NOITE (FRANÇA, 2013)

25 de Novembro de 2015 às 21:09

Beijei-te com o hálito desmorto, quando despertei.
Da guerra ao lodo e sucessivamente à lápide,
em gravura e auto relevo
nós dois de abraços trocados.
Vi-te agora em meia visão,
enquanto a cigana, com luz alguma sobre si,
lambia a promessa de ter-nos eternamente.
Os sois sempre poente testemunharam, pois,
por entre areias negras e cascalhentas
nosso reencontro e a despedida de toda a alma.
Beijou-me, com delicados lábios,
a carcaça de minha face e fê-la limpa
enquanto a cigana dizia-te, a ver-me
agora, que alguma lembrança os mortos levam.
Perduramos sobre cem mil horas,
com a pele inflexível.
Da não vida veio, todavia,
o vazio impreenchível
pois o tempo cobra alguma hora
de tanto amor depreendido.
Procuramo-nos, assim, por portas afora,
entre seios e paus alheios,
entre mil fendas e vales,
entre campos verdejantes e longas noites frias.
Nas noites de chuva com suas corujas
entre sóis nascentes e crepúsculos,
em seus arrebóis cor de fogo.
Entre mares calmos e tormentas gloriosas,
e no céu azul de nuvens cinzas.
No brilho de vários olhos,
no toque de belas mãos.
Na terra arada e em solos inférteis.
Em nucas e cabelos alheios,
com seus cheiros de seda, peculiar.
Em peitos desnudos e duros como rocha
e entre seios macios com cheiro de desejo.
Em projeções de futuro incerto.
Entre círculos infernais, onde crianças assassinadas,
governavam com fúria transcendente.
Até que na neve do início de inverno
à hora morta, bateu à porta:
a Puta entristecida;
o Garanhão abusado;
a Estrela em finda luz;
o Adolescente de olhos vivos...
Vimo-nos todos à beira do festim carnal
mendigando tanto prazer quanto ouvidos.
Deslindando histórias e depravações
onde se podia dizê-los realmente.
As línguas se trocaram
e transferiram, impossivelmente,
amor por entre desejos.
De minha parte eu vi
já consumido e exausto
já entregue e descrente
caolho e ultrapassado,
na baixa maré, disse-te em bom tom:
há que ficar.
Enquanto isso, recluso
abri sob meu queixo nova boca
e as lágrimas que me banharam por tempo pouco
a boca que me beijou sofregamente desesperada
explodiu em torrentes entre os seis prazeres que esperavam.
Até que no início do Sol,
cumpriram sinas e seguiram destinos.
Eu, chorado e lamentado,
pereci, graças, placidamente,
ao fundo do lodo e em tormentas anunciadas
arrastando-me ao julgo dos chicotes
ao apodrecimento da carne.
Sem alma ou quer que me mantivesse
apenas ao escuro escorreguei.
Mas como pequeno e descartável,
Seguiu a vida sem mim,
com pele nova anunciada.

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