Por que Guilherme Arantes é tão insuportável?

Por Erick Miranda, em MÚSICA

Por que Guilherme Arantes é tão insuportável?

06 de Março de 2018 às 18:45

Abandonar o gueto cult do rock progressivo foi o primeiro ato. Não chegou a incomodar, mas falar para o povo, comunicar com a massa, isso sim, deixou todo mundo cabreiro. Tornar sua obra popular, dialogando com classe e elegância, como poucos, sendo essencialmente complexo nas suas estruturas musicais e com aquele gostinho que faz valer o “P”, daquela sigla que costuma classificar músicos que de muito popular tem muito pouco e que tratam com desdém quem realmente honra a primeira letra dessa sigla.

 

Guilherme Arantes é inteligentíssimo, dono de uma técnica e de um conhecimento musical acima da média; sujeito de mente clara e aberta, que sabe onde pisa e conhece o mundo que o rodeia. Nunca fez papel de intelectual arrogante e muito menos de coitadinho injustiçado. Quem vê qualquer de suas entrevistas pode notar como ele se impõe, como tem ideias claras e precisas do cenário que o cerca. É crítico, muitas vezes ácido, mas sem apontar o dedo ou agredir ninguém, sem tentar ter um discurso inteligente, Guilherme fala fácil, faz-se entender e não precisa de pedestal ou de excentricidades para ser considerado “das grandes rodas” ou do clubinho cult.

 

Desprezar, apontar o dedo ou ameaçar faz parte de uma outra classe de músicos, e são esses que normalmente recebem as glórias e os louros da imprensa brasileira, mas que andaram longe de fazer sucesso de verdade. Sempre sustentados por leis de incentivo e por gravadoras que os têm em seu staff apenas por status, são endeusados pela suposta intelectualidade reinante, que dá a direção da alta cultura nacional. Ajoelhar-se para esses caciques construídos, faz parte do jogo para poder ocupar os melhores lugares da tribo. Quem discorda ou faz qualquer crítica a essa gente é imediatamente considerado ranzinza, mal humorado ou de uma tribo inimiga que cultua o ódio.

No caso de músicos, quem vende disco de verdade, esses só podem estar em dois lugares, ou como os trabalhadores mais braçais da tribo, como eram os artistas considerados “cafonas”, como Nelson Ned, Odair José, Waldick Soriano, etc.; ou fora dela, e acreditem, a segunda opção está destinada a quem os ofende realmente, sendo populares e sofisticados ao ponto dos caciques não os suportarem, pois representam a maior ameaça por serem aquilo tudo o que esses nunca foram, mas sempre almejaram ser. Os adoradores dessas falsas lideranças tribais não suportam esse tipo de talento. É o típico caso de, em entrevistas, falar o quanto aquele artista é bom, talentoso e genial, mas estar perto dele incomoda, pois essa proximidade pode ofusca-los. Ou seja, colocá-los em outra tribo é mais fácil para manter o controle do seu território.

 

Guilherme Arantes incomoda tanto com suas verdades e com o seu jeito de ser, que a ele foi reservado um lugar único, pois não está no panteão da intelectualidade, já que essa turma quer distância do seu sucesso; por outro lado não pode ser considerado popularesco, por motivos óbvios, como a sua reconhecida sofisticação tanto nos acordes como nas letras. Paremos para pensar: como um cara como esse nunca, eu disse NUNCA, participou de nenhum festival realmente importante no Brasil? Seria ridículo enumerar aqui quantos músicos e bandas esquecíveis passaram pelos palcos do Rock In Rio, Lollapalooza, Hollywood Rock e outros festivais pelo Brasil; ou como todo mundo das últimas gerações gravou seu acústico MTV, até bandas mais insipidas, como Bidé ou Balde e Engenheiros do Hawaii gravaram discos nesse formato, mas nosso pianista se quer teve o direito de negar a participação desse pasteurizado formato. Coisas como essas mostram o quanto a indústria cultural no Brasil só tem olhos para o mesmo núcleo e como personalidade incomoda esse seleto grupo de artistas e babões com pouca convicção.

Em uma de suas últimas entrevistas, foi perguntado a Guilherme Arantes como era estar no mercado independente e ele respondeu com toda a sinceridade que preferia estar em uma gravadora, que fez seu último disco (Flores & Cores), custeando tudo; e mandou o link (com a obra recém gravadas) para produtores e executivos de várias gravadoras para ver a possibilidade de qualquer uma delas lançá-lo, e para sua surpresa ninguém sequer clicou; ou seja, um dos maiores hitmakers do Brasil fez um disco pagando tudo do próprio bolso e ninguém, de nenhuma gravadora, teve ao menos o interesse de ouvir o disco? Realmente está tudo errado, mas você está certo Guilherme; infelizmente está sendo insuportável no lugar errado e pelos motivos errados. Parafraseando o próprio Guilherme quando ficou em segundo lugar no vexaminoso festival MPB-Shell-81, “foi Deus que quis assim”.

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