São Bernardo (Brasil, 1971)

Por Márcio Barros, em CINEMA

São Bernardo (Brasil, 1971)

31 de Agosto de 2016 às 12:13

Aos 50 anos, Paulo Honório, proprietário da Fazenda São Bernardo, resolve escrever um livro sobre sua vida. Apesar da pouca instrução, pois aprendera a ler já grande, narra suas desventuras. Órfão de pai e mãe, teve uma infância dura e triste nos grotões obscuros do interior miserável das Alagoas. Foi guia de cego e ajudante de uma velha que fazia doces. Vendeu quinquilharias em feiras. Trabalhou de enxada.
Foi crescendo num mundo agreste e Bruto, longe do alcance dos braços curtos do Estado e das leis. Aprendeu sobre ética e moral, chacoalhando na carroceria empoeirada da vida no sertão, "realizando transações embrulhadíssimas" e efetuando "operações de armas engatilhadas". Adulto, cansado de perambular a esmo, fixa-se, como trabalhador alugado, em uma grande e decadente fazenda chamada São Bernardo. Ambiciona imediatamente tornar-se dono dela. Consegue com relativa facilidade, pois àquela altura já possui uma vasta experiência nas minúcias do mundo das negociações.
Com disposição para o trabalho pesado e ambição desmedida, começa a erguer seu pequeno império burguês. Leva a reboque pencas de inimigos. Mas consegue eliminar, com seus métodos "práticos", um a um os obstáculos que lhe vão aparecendo. Torna-se grande latifundiário com influência política até mesmo fora da província.
Sente a necessidade de construir uma família, herdeiros que possam dar continuidade aos negócios. Já se acha velho e cansado. Conhece a instruída professora Madalena. Tempos depois, casam-se. Passado o entorpecimento dos gozos iniciais do matrimônio, o mundo e os valores de Paulo Honório chocam-se com os de Madalena.
A professora, culta e bem educada, que crescera na cidade, não concorda com os métodos violentos e opressivos do marido para com os funcionários. Pela primeira vez na vida é duramente contestado. A tensão cresce entre os dois até se tornar insuportável e verter em tragédia.
Aqui começa verdadeiramente o martírio de Paulo Honório. Abandonado pela mulher, pelos amigos e pelos funcionários mais leais sente que levou uma vida em vão. Que "estragou-a estupidamente" e tristemente sentencia: "[...] Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra essa casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada".
Às vezes me pergunto se, guardadas as devidas proporções, não somos um pouco como Paulo Honório, nos maltratando e maltratando os outros a vida inteira para acumular nossas quinquilharias. Criando cascas espessas e marchando sozinhos e sem objetivo para a hora do abate.
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