Som Ao Redor (Brasil, 2013)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

Som Ao Redor (Brasil, 2013)

08 de Abril de 2014 às 20:53

Em O Som Ao Redor (2012), filme de Kléber Mendonça Filho, nos deparamos com um recorte sobre a atual sociedade brasileira. Por tomar uma abordagem realista e utilizando princípios característicos da estética naturalista, o diretor revela uma amarga visão da nova e caótica forma de viver e interagir nas metrópoles do Brasil. Assistir O Som Ao Redor é, mais do que mergulhar numa jornada de autoconhecimento, um exercício antropológico pautado no olhar quase documental do talentoso cineasta Pernambucano.

O prólogo do filme dimensiona a ambição do diretor. A sucessão de fotos em preto-e-branco de trabalhadores rurais anuncia a aspereza da revisão histórica que está por vir. Este recurso estilístico atualiza os problemas de outrora ao sugerir que pouca coisa mudou neste país. Em Grande sertão: Veredas (1956), Guimarães Rosa anunciara: “O sertão é do tamanho do mundo.” A sentença liberta Kléber Mendonça. O Som Ao Redor é uma obra muito forte, o que acaba por legitimar sua pretensão. Pretensão esta justificada pela abrangência que a película consegue alcançar: O filme arduamente cabe em nosso entendimento, pois se constrói numa trama sem roteiro, posto que a vida possui suas próprias incertezas.

A construção da trama é minimalista.  As histórias que seguem em paralelo dão a impressão que o mal não cabe no ser humano. Isto é, não no sentido de algo alheio, mas naquilo que preenche e entorna além dos limites. O fato de nortear o enredo em personagem que possuem alguma ligação permite universalizar o ponto de vista do diretor, construindo um painel rico e diverso onde o comportamento dos personagens diz mais a respeito deles do que seus próprios diálogos. Aliás, análise psicológica não é o mote do filme, mas justo o contrário: a superficialidade com que Kléber Mendonça Filho trata seus personagens é representativa da inconsequência dos mesmos.

Todos parecem não saber que as ações mais banais do dia-a-dia acabam por tomar implicações gigantescas. Desta forma, transitam alheios aos seus próprios atos e se comportam como produto do meio, em moto-contínuo, onde seus atos só se justificam na intenção de produzir um meio mais cruel e embrutecido. Se Luís Sérgio Person, em São Paulo S/A (1965), aborda a decadência da nossa sociedade de forma pontual, sob a ótica de um país em processo de industrialização, Kléber Mendonça Filho universaliza mazelas e atemporaliza a incoerência: Rico ou pobre, empregado ou empregador, profissional ou indigente, todos contribuem igualmente para a nossa ruína.

A interpretação, e porque não dizer, o mise-en-scene é motivo de elogio e, talvez, sua maior virtude. Irandhir Santos, na pele de Clodoaldo, envolve o telespectador na sua tentativa de obter um falso emprego, que se justifica no fim da trama. João (Gustavo Jahn) transfere vergonhosamente as ambigüidades da classe média para a tela quando, em uma reunião do prédio, defende o porteiro que, ameaçado pelos moradores do prédio, voyeuriza o novo relacionamento do jovem. Francisco (W. J. Solha), representando a decadência dos antigos senhores-de-engenho, guarda ainda prepotência, ao ponto de mergulhar em mar proibido pelos ataques de tubarão no bairro de Boa-Viagem. A cadência do filme prende o espectador, que não sente necessidade de maiores explicações, afinal, as respostas se encontram mais perto de nossa rotina do que em qualquer justificativa filosófica.

Esteticamente, Kleber Mendonça Filho zelou pelos mínimos detalhes para construir um filme enérgico: O posicionamento dos atores, o enquadramento dos personagens, a encenação e o diálogo monótono são recursos cuidadosamente harmonizados para colocação de um drama intenso no espaço cênico. A conclusão, finamente ensaiada em seus curtas-metragens anteriores, orquestra-se para fechar cuidadosamente a intenção do diretor.

Há muito não se fazia um filme nacional com tanta energia. Elogiado pela crítica internacional, O Som Ao Redor carrega mais do que sentimento, responsabilidade ao ponto de elevar o conceito de fazer arte neste país, independente das tendências que abismam nosso cinema. Mais que incomodar, o barulho produzido pelo filme engrandece e resgata o brilho que, ultimamente, andou perdido no cinema brasileiro.

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