Sono dos justos

Por Márcio Barros, em POESIA

Sono dos justos

19 de Setembro de 2019 às 11:10

Os cães da madrugada anunciam o carro do lixo dobrando a esquina.
Enquanto a cidade dorme o sono dos justos, 
um lixeiro anônimo chacoalha, pingente, em mais um turno de trabalho.

Por entre as frestas dos sacos plásticos, 
em meio ao chorume e pilhas de desperdício, 
vê o desespero velado de cada dia:

Estiletes e siringas ensanguentados
Esparadrapos
Borras de crack...
cascas de bala
Fetos em putrefação
Cartelas vazias de clonazepan,
fluoxetina, valium,..

Mas não lhe cabe juízos de valor ou quaisquer outras abstrações inúteis
Afinal, é só um lixeiro anônimo com ponto eletrônico, 
contracheque, metas e prazos a cumprir

Só lhe cabe catar os cacos da cidade, remendá-la e embalar o sono dos justos

Voltar