VICTORIA (Alemanha, 2015)

Por Diego de Montalvão, em CINEMA

VICTORIA (Alemanha, 2015)

01 de Março de 2016 às 22:20

Quando menina, houve quem me educasse para realeza. Em terras espanholas, pátria-mãe, natural destino das mulheres em solo de barões e reis, o de se submeter à vontade dos homens, mal vistas as que desviam deste caminho. Necessária à sina, foram me dando gosto e gozo e mimos, que se não tinham valor de moeda, eram benfeitorias ao espírito. E se tudo desmoronasse, virtude abastarda saber aceitar que a desgraça neste plano terreno vem a despeito da cor do sangue. O etéreo dá e tira tal qual sua vontade, e quando não resta nada, tem ele seu papel acolhedor, de lavar a alma dos homens. Quanto mais maculado, maiores as preces e maior o consolo, e maior o calabouço.

Porém cada um, assim como a natureza, tem seu fado a seguir. E aquele não era o meu. Não sei definir o porquê, e basta em si. Sentir que eu não me adaptaria àquela vida foi suficiente. E não me adaptei. Por isso apeei a Berlim, mas não foi minha primeira fuga. Antes fui dar em conservatório, onde passei alguns anos, para distrair do tédio em escala que afligia a alma em dúvida. Se eu podia me comunicar através de instrumentos, melhor era não dizer nada, e antes de dizer, melhor ainda não pensar, e se antes de pensar eu pudesse não viver.

Em meio a concertos e recitais, aprendi a ritmar a tristeza em meu ofício. Queria um dia poder cantar minha história, que é também a historia de tantas outras, que nasceram devotas e cúmplices dos homens. Mas a música não remediou meus desvirtuados sentimentos, tampouco conservou a pureza ou recuperou a inocência perdida. Desta vez disseram para eu desistir, mas não perceberam que eu já desistira há muito tempo e estava, como de costume, esperando que alguém o fizesse por mim.     

Notei no café que ficou surpreso com a minha história. E li em seus pensamentos que planejava me golpear com vidro e carícias. E achou que eu seria pura demais e não mereceria tal sofrimento, mas não perguntou se minha vida era um fardo até hoje, que o conheci. E não percebeu que meu desejo é sair com você para as ruas e praças, olhar a cidade durante a noite e dormir ao amanhecer. Ou não dormir, pois o que me pede é tanto, que me põe em risco a vida, então não sei mais se estarei neste mundo amanhã.

É tudo tão sem mistério agora que me sinto intensa. Riso ou choro, não importa o que virá amanhã. No fundo estou acostumada com a adversidade e saberei me reerguer. Da alegria eu sei menos. O que seria dos homens se as mulheres não fossem fortaleza quando eles falham. E atrás dessa frágil aparência, também trago valentia, e estes alvos pés na superfície, são ásperos em seu íntimo e rotos em seu solado. Cuida-te, que lá vem a Tempestade, que cuido eu de nós dois.

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